A Bíblia e a promoção de saúde

Brenda Vanin
5 min readMar 7, 2021

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Muita gente não gosta do livro de Levíticos, no velho testamento. É um livro chato e repetitivo, que fala de leis e rituais. Eu gosto dele. Aliás, eu aprendi a gostar depois que ouvi uma pregação onde o pastor falava que Levíticos é um manual para a vida. Gosto especialmente dos capítulos 11 à 15. Por quê? Vou contar.

Um dos meus incômodos enquanto cristã é perceber o entendimento raso que temos do evangelho e da grandeza do Deus ao qual seguimos. Sempre vi muita semelhança entre o que a bíblia diz e o que eu aprendi cursando psicologia. E eu percebi que a resistência dos cristãos à essa ciência é fruto dessa ignorância.

E por mais difícil que seja fazer esse diálogo, eu decidi que quero tentar. O livro de Levíticos me ajuda a ver que é possível (sim!!!!!).

Na universidade, uma das discussões mais fortes que tínhamos era sobre o conceito de saúde. Ser uma pessoa saudável não significa apenas a ausência de doenças físicas. Entender saúde dessa maneira é reduzi-la.

Primeiro, porque não somos apenas um corpo biológico. O ser humano é formado por quatro dimensões: biológica, psicológica, social e espiritual (eu ouço a voz da minha professora falando ‘’bio-psico-sócio-espiritual’’ sempre que falo sobre isso).

A Bíblia comprova isso de várias formas, mas existem dois exemplos que eu acho mais marcantes: Adão e Jesus. Vamos falar de Adão primeiro.

Quando Deus criou o homem, ele fez o corpo, mas até então era um corpo sem vida. Deus precisou soprar o fôlego de vida para que o boneco de barro ganhasse emoções, sentimentos e inteligência. Essa é a nossa segunda dimensão, a psicológica. Adão se relacionava com Deus (espiritualidade) e Deus deu a ele funções dentro do espaço em que ele vivia, Adão estava em um lugar e nesse lugar ele interagia e tinha tarefas a cumprir. Além disso, o primeiro homem sentiu falta de alguém semelhante a ele (tudo isso se refere a nossa dimensão social).

Percebem? Deus nos criou assim. Essas dimensões não existem cada uma no seu canto, mas sim em constante interação e interdependência (o que acontece em uma influencia nas demais). Isso me lembra muito o relacionamento entre Pai, Filho e Espírito Santo. E já que fomos feitos à imagem e semelhança de um Deus trino, talvez eu não esteja errada em perceber dessa forma.

Voltando ao papo psi, é por isso que não podemos resumir saúde a ausência de doenças físicas. Só para ilustrar, um adoecimento físico pode te deixar mal emocionalmente, interferir nas suas relações e te deixar chateado com Deus. Um transtorno mental pode afetar seu corpo e suas relações também.

Então o que é ser saudável? É não ter problemas em nenhuma das quatro áreas? Também não porque isso, infelizmente, não é possível. Jesus nos alertou que no mundo teríamos aflições, então se você acha que por ser cristão você tá imune as dificuldades da vida eu sola mento (humor & piadas gospels™) informar que não é bem assim. O triste é que muita gente vai pra igreja confiando nesse tipo de falsa promessa. E aí na primeira dificuldade ela obviamente vai se frustrar.

E para provar meu ponto, vamos falar de Jesus. Observe:

Jesus ia crescendo em sabedoria (psico), estatura (bio) e graça diante de Deus (espiritual) e dos homens (social).

Lucas 2:52

Enquanto ser humano, Jesus também tinha as mesmas quatro dimensões. E ele também enfrentou desafios em cada uma delas:

Bio: Jesus sentia fome, sede, sono. Ele sentiu dor física enquanto foi torturado e crucificado.

Psico: Ele chorou pela morte de um amigo, ele tinha empatia pelas pessoas que o procuravam e interagia com elas, se relacionava. Ele sentiu uma “angústia de morte” lá no Getsêmani. Ele sabia dar respostas à altura das provocações que recebia, inclusive num momento de jejum no deserto.

Social (nossas relações): Os discípulos o abandonaram no pior momento.

Espiritual: a ira de Deus sobre ele, por causa do nosso pecado.

O que é ter saúde então? É ter equilíbrio. É a compreensão de que as dores fazem parte da vida e que fugir delas não é a resposta, mas sim ter força e a resiliência para enfrentar as situações difíceis.

É que ler sobre esse conceito de saúde relacionando ao equilíbrio pode trazer certo desânimo, porque parece algo bem abstrato e difícil de se conseguir, principalmente sozinho.

É por isso que existe o conceito de promoção de saúde, estratégias criadas com o intuito de auxiliar o sujeito a desenvolver qualidade de vida e a prevenção do adoecimento.

Talvez você esteja se perguntando o que todo esse papo tem a ver com Levíticos.

Pois bem, a promoção de saúde está na Bíblia. Eu sou super contra a gente diagnosticar personagens bíblicos (isso é papo pra outro texto, quem sabe), mas estudando a Síndrome de Burnout, a síndrome do esgotamento no trabalho, percebi que Moisés seria um forte candidato a desenvolvê-la. Ela é mais comum em profissionais que lidam diretamente com pessoas, especialmente em uma posição de cuidado (pastores estão inclusos aqui!).

Então, imagine Moisés sendo líder dos israelitas. Tendo que resolver ABSOLUTAMENTE TODOS os problemas deles. Ele obviamente não estava dando conta, então seu sogro Jetro veio com uma brilhante estratégia de promoção de saúde: divisão de tarefas.

Quantas vezes assumimos mais coisas do que somos capazes de suportar? E, por causa disso, negligenciamos outras áreas da nossa vida, talvez até o relacionamento com Deus?

Uma das coisas que eu ensino sempre aos meus pacientes é a fazer as coisas devagar, aos poucos (basta cada dia o seu mal, amém?). Isso serve tanto para resolver problemas quanto para parar ou começar um hábito. Tudo tem seu tempo (Eclesiastes 3) e isso também se aplica a nós e a nossa capacidade de assimilar as coisas e de mudar algo.

Essa situação que Moisés viveu está escrita em Êxodo. Em Levíticos, Deus traz a promoção de saúde de volta dentro da sua Lei, nos capítulos 11 a 15, que eu falei anteriormente. Neles você tem orientações do Senhor sobre cuidados com a menstruação, ejaculação (especialmente quando há algum problema com relação a essas duas coisas), feridas na pele (lepra) e o mais impressionante pra mim, MOFO NA CASA. Deus dedica um tempo para orientar sobre o que fazer caso esses problemas apareçam.

Isso é promover saúde e prevenir o adoecimento. Em Deuteronômio, há ainda uma orientação de Deus sobre como lidar com as fezes. O nome disso hoje é saneamento básico e faz parte do nível primário de atenção à saúde (prevenção e promoção de novo). Além disso, todas as restrições alimentares que Deus deu ao povo de Israel, também tiveram importância para que eles se mantivessem vivos e saudáveis.

Existem críticas de que o modelo bíblico só se preocupava em isolar o doente, não em tratá-lo. Só que naquela época não se tinha os meios conhecidos por nós hoje e considerados adequados para o tratamento das doenças, então essa era a única forma (observe que Deus poderia curar tudo milagrosamente, mas não fez).

A crítica existe porque esse modelo influenciou na criação de hospitais, os quais também isolavam, em vez de tratar. Esse é um erro comum nosso. Não buscamos entender o contexto todo e seguimos usando algo bíblico como base para nossas ações equivocadas.

Diante de tudo que expus aqui, meu questionamento é: como você, cristão tem lidado com sua saúde mental?

Além disso, eu não sei como é pra vocês, mas encontrar algo da minha profissão na Bíblia me deixa muito feliz, pois me faz conhecer e me aproximar ainda mais de Deus (leiam o texto do link que eu coloquei na frase sublinhada).

E eu espero que esse texto ajude a compreender melhor esse assunto, que nunca deveria ter sido encarado como algo banal.

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Brenda Vanin

26 anos, baiana, cristã e psicóloga. Alguém que gosta de escrever sobre a vida.