Todo mundo precisa de terapia?

Brenda Vanin
5 min readMay 5, 2021

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Resposta rápida: depende (se uma psicóloga não disser isso em algum momento ela explode… Ufa, até me sinto mais leve. Agradeço a compreensão de vocês)

Minhas irmãs usaram aparelho ortodôntico por anos. Não só o fixo, mas também aquele externo. Era um sofrimento, mas valeu à pena, pois elas conseguiram corrigir os problemas. Eu nunca usei aparelho (sortuda, hein?)

É engraçado pensar nisso, mas mesmo que eu tenha uma boca grande onde todos os dentes caibam confortavelmente, meus dentes frontais superiores são separados e os caninos são tortos. Um dos caninos superiores inclusive é meio montado em cima do dente que fica entre ele e o frontal (não sei os nomes dos dentes, perdão dentistas!). O pobrezinho do dente teve que se projetar pra frente, pois está entre um canino espaçoso e um frontal enorme.

Talvez um ortodontista olhe para essa situação e pense logo: “um aparelho resolveria isso fácil”. Mas a questão é: eu realmente preciso usar?

Pergunto isso porque essa aglomeração dentária acontece num grau leve e não interfere na minha vida e em minha mastigação. Eu até acho que elas são falhas charmosas, gosto do meu sorriso desse jeitinho. Só é ruim quando algum fiapo de comida fica preso, dá mais trabalho pra tirar, mas o fio dental resolve.

Essa situação com meus dentes poderia ser corrigida, mas ela não é exatamente um problema que afeta minha vida. Então, nesse sentido eu não acho que precise usar aparelho (sou leiga, se falei besteira perdão novamente, dentistas). O ponto é que nunca me incomodou a ponto de eu querer marcar uma consulta, pelo menos.

Mas se eu quisesse procurar um dentista e ouvir a opinião do especialista, eu poderia? Com certeza. E se ele me indicasse usar aparelho, o aparelho me ajudaria e melhoraria minha dentição? Sem dúvidas. A possibilidade está aí disponível para mim.

Com a psicoterapia acontece algo semelhante.

Existem problemas/ situações em nossas vidas que nos afetam, mas que são questões cotidianas. Perder um ente querido, não estar satisfeito com seu trabalho, ter dificuldade em falar em público, sentir-se ansioso demais antes de uma prova, não saber lidar com o fim de um relacionamento…

Qualquer pessoa está sujeito a viver algo assim. E qualquer pessoa tem, adquirida pela sua história de vida, estratégias que as ajudam a lidar com o problema (tipo eu, que ressignifiquei a falha em meus dentes e acho ela bonita).

Assim, uma pessoa que vivencie uma situação cotidiana difícil, pode por si só, buscando apoio em suas estratégias e em sua rede de pessoas importantes, enfrentar o que lhe aflige e sair da situação mais forte. Chama-se resiliência, a capacidade que temos de lidar com algo assim, buscando sempre nossa sobrevivência e o alívio do sofrimento.

Nesses casos, a pessoa não “precisa de terapia”, porque não apresenta um quadro clínico ou um diagnóstico de transtorno que justifique a adesão a um processo terapêutico.

Mas, a possibilidade dela ir buscar auxílio de um especialista está aberta a ela. Nesse caso, ela vai ampliar seu olhar e encontrar ainda mais coisas que a fortaleçam e ela pode (repito: PODE) sair da situação até mais rápido.

Nós psicólogos temos que entender isso também. Como disse Contardo Calligaris em seu livro “Cartas a um jovem terapeuta”, não somos essenciais. Não somos deuses, nem cartomantes ou babás. Tampouco somos muletas.

Somos pessoas comuns que oferecem um olhar amplo diante do problema, para que você consiga encontrar suas respostas. Um psicólogo que não te conduza a autonomia não é um bom profissional, porque a ideia é que você não dependa da gente mais em algum momento. Igual ao aparelho.

O que eu e todos os bons e sensatos psicólogos vem tentando mostrar é que, diferente do médico que você vai só quando tem um problema ou para um check up, VOCÊ NÃO PRECISA DE UM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO MENTAL, não precisa esperar ´´´´´´surtar´´´´´´ para que a terapia seja válida.

Atrelar a necessidade da terapia a um diagnóstico é uma mentalidade ultrapassada que tem base no modelo médico, onde se considerava saúde igual a ausência de doenças. É desconsiderar a possibilidade de prevenção do adoecimento e promoção da saúde(afinal, um sofrimento comum PODE desencadear um transtorno).

Além disso, o auxílio de um psicólogo em situações cotidianas NÃO É SINAL DE FRAQUEZA OU FALTA DE FÉ. É só mais uma alternativa.

Uma coisa interessante e que eu aprendi na universidade foi a diferença entre queixa e demanda. Queixa é a “gota d’água”, por assim dizer, que nos movimenta a buscar ajuda. Mas ela não é o problema todo. >>>>QUASE<<<< sempre tem algo a mais, que está enraizado lá no fundo (uma crença equivocada, uma estratégia que não funciona mais para aquele contexto, uma situação traumática, uma comparação excessiva…).

A pessoa fala da sua queixa porque ela é o que está doendo agora. Mergulhar em algo mais profundo e talvez mais sério nem sempre é algo que ela dá conta inicialmente, até porque para muita gente é desconfortável se abrir completamente para alguém que acabou de conhecer. É preciso paciência.

Vou dar um exemplo. Atendi uma pessoa certa vez com a seguinte queixa: insatisfação com seu trabalho. Ela me conta como se sente e também a rotina dela. Eu tento explorar outras coisas, mas a pessoa não sai desse ponto. Até a hora que eu pergunto: você já se sentiu assim em outras situações? Como você chegou até essa profissão? É seu primeiro emprego? Parece mágica, mas o nó vai se desenrolando. Na primeira sessão, eu achei que ela poderia ter a síndrome de burnout (esgotamento no trabalho). Na segunda, depois que eu tive acesso a mais informações, eu já descartei completamente, pois descobri que talvez o problema não esteja no ambiente de trabalho.

Ótimo, ela não tem um transtorno… Vou mandá-la embora? De jeito nenhum. Fiz uma reflexão com ela que talvez a ajude, mas preciso esperar que ela absorva isso e decida se faz sentido para si própria. Pode ser que sim. Pode ser que a questão dela com o trabalho se resolva e ela queira encerrar o processo terapêutico. Pode ser que isso seja só uma porta para ela perceber que precisa de meu auxílio em algo mais. Eu estarei a disposição dela seja qual foi a sua decisão.

A terapia é voluntária e colaborativa, o paciente participa ativamente.
O processo terapêutico é para ser leve e não obrigatório. É para sermos instrumentos de ajuda e não redentores.

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Brenda Vanin

26 anos, baiana, cristã e psicóloga. Alguém que gosta de escrever sobre a vida.