Sobre pessoas e lugares (ou um texto carregado de saudades da minha vó)

Brenda Vanin
3 min readApr 6, 2020

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Há lugares que marcam nossas vidas e eu sou daquelas que não consegue passar por um desses lugares sem me perder em recordações.

Se pego um ônibus que eu sei que passa pela rua Voluntários da Pátria, intencionalmente sento-me do lado esquerdo e fico observando as casas conhecidas, até ele passar pela casinha verde, onde ela morava. A vontade é de descer do ônibus e ficar ali.

De repente, sou criança outra vez. Subo os degraus e bato na porta de vidro, grito “Vóooo” e escuto ela dizer que já vai. Com seu pequeno corpo inclinado para frente e seus passos vagarosos, ela demora para atravessar o corredor e é preciso ter paciência. Ela chega e antes de abrir a porta, espia por uma das janelinhas de vidro que ficam de cada lado da maçaneta. Ao me ver, sempre diz a mesma coisa:
– Ô minha fia, mais quem tu veio?

Quando finalmente entro, vejo a sala da frente com as duas poltronas marrons. Sigo pelo corredor, vejo o seu quarto, o quarto de visitas e a sala de estar. Sento no sofá, ligo a TV. Ela me oferece comida. Impossível ir na casa dela e não comer alguma coisa. Se for hora do lanche, já sei o que ela vai me oferecer: batido (uma estranha merenda feita com ovo, farinha e açúcar, que eu jamais recusei.)

Vejo-a pegando um prato fundo. Ela se senta na cadeira, pega o garfo para bater a clara, concentrada na tarefa. Me ofereço para colocar a gema, que ela bate com seus dedos enrugados segurando firme o garfo até misturar, depois duas colheres de farinha e, por fim, duas de açúcar. Tudo feito segundo sua orientação. Se minhas irmãs também estiverem ali, tenho que dividir com elas, mas se não, fico feliz em comer tudo sozinha.

Ela conversa, fala do dia, pergunta por alguém. Peço para ela me contar alguns casos e dou risada sempre como se fosse a primeira vez que estivesse ouvindo-os. As lembranças são bem vivas em mim. Cada detalhe da casa verde da rua Voluntários da Pátria ainda está gravado, bem como a informação de que ninguém fazia uma frigideira de carne do sol (e outras comidas) tão bem quanto ela.

Volto a ser apenas eu, já jovem adulta, sentada no banco do ônibus. Chego em casa e as lembranças dela ainda estão ali, no retrato na estante da sala, na sua cama onde agora durmo, na cômoda ainda chamada de “cômoda de vó”, na vasilha de porcelana que ela ganhou do meu avô quando ainda eram noivos e que pegamos com todo o cuidado para não quebrar…

Há lugares que marcaram minha vida. Da mesma forma, há também pessoas… Pessoas como ela, que não só marcou minha história, mas foi peça fundamental para que hoje eu estivesse aqui.

Após seis anos sem ela, seguimos nossas vidas, choramos por outra partida de alguém querido no mesmo dia em que ela se foi, mas nunca a esquecemos. Por alguma razão, eu que faço uma imitação meia boca da voz do Bob Esponja, consigo imitar sua voz e isso às vezes nos ajuda a matar a saudade.

Me resta ficar com a nostalgia dos 16 anos em que tive o privilégio de tê-la em minha vida e esperar para dar-lhe um abraço (sem lágrimas!) quando aquele dia chegar.

Texto escrito em 31 de agosto de 2017 e editado em 06 de abril de 2020
A foto foi tirada em março de 2020, numa visita que fiz junto com minhas irmãs e minha mãe à casa verde da rua Voluntários da Pátria, que foi vendida e hoje já não existe mais. Talvez eu escreva sobre isso.

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Brenda Vanin

26 anos, baiana, cristã e psicóloga. Alguém que gosta de escrever sobre a vida.