Não quero comprar um guarda-roupa novo

Brenda Vanin
3 min readDec 31, 2022

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Já faz um tempo que minha irmã mais velha prometeu ajudar na reforma do meu quarto. Mudamos algumas coisas… A parede foi pintada, o piso e o gesso do teto trocados. A janela mudou. Conseguimos nos livrar de uma cômoda branca velha que ocupava muito espaço, mas ainda sobrou a cômoda de vó, como gosto de chamar, mesmo que minha avó já tenha falecido há 11 anos.

Além disso, tem o meu guarda-roupas. Uso o mesmo desde que era adolescente e ele hoje está literalmente caindo aos pedaços.

Com a pandemia, tive que que passar mais tempo em meu quarto e isso me mostrou o quão inadequado para mim ele é. Não é um quarto bonito, não reflete nada sobre quem sou, pois as paredes brancas são totalmente apáticas. Meus livros não têm espaço para existir e serem admirados. Também não é um bom espaço de trabalho, ergonomicamente falando.

Eu tentei contornar essa falta de personalidade espalhando fotos minhas, um ursinho que ganhei alguns aniversários atrás e, mais recentemente, uma plantinha artificial que minha paciente me deu. Mas ainda há as paredes brancas.

Já faz anos que mudar esse quarto completamente está nos meus planos e da minha família. O que faltou para isso acontecer de fato sempre foi o dinheiro, ou assim dizíamos. Outro dia eu e minha mãe quase compramos um guarda-roupa muito bonito, desistimos por um problema no cartão.

Mas eu queria confessar um segredo. É uma percepção bem recente, na verdade… Talvez seja uma daquelas crises da vida adulta, ligada ao fato dos meus vinte anos estarem no fim. O fato é que eu não quero comprar um guarda-roupas novo.

Bom, não me entenda mal. Eu quero um quarto bonito, bom para trabalhar e que seja a minha cara. Eu quero um guarda-roupas que não me cause constrangimento por estar velho demais… Mas acontece que eu não quero ter só um quarto, eu quero uma casa inteira.

Desde que nasci eu moro no mesmo lugar… Uma casa que tem mais de quarenta anos e ainda preserva sua estrutura original. Apesar de morar aqui, essa é a casa dos meus pais… foram eles que escolheram, compraram, arrumaram. Poucas coisas aqui fui eu quem escolheu e comprou. E outro dia inclusive minha mãe deu a uma catadora de coisas um DVD antigo que a gente nem usa, mas que foi uma das minhas poucas contribuições materiais a esse lar.

Apesar de ter um quarto só para mim a uns dezessete anos, que foi quando minha irmã do meio casou, ele nunca foi realmente meu, nesse sentido.

Não tem nada nesse espaço que eu tenha uma ligação afetiva, boa parte das coisas já existiam quando eu cheguei. Se tudo estivesse pegando fogo e eu tivesse que salvar poucas coisas, salvaria meus livros de Agatha Christie e um classificador com cartas, bilhetes e desenhos de várias pessoas que eu ganhei e guardei por anos.

E por que, então, agora que posso, eu não quero mexer nele? É a pergunta importante que deve ressoar em quem estiver lendo.

Bem, vamos lá. Perceba que esse texto é e não é sobre casas, quartos e guarda-roupas. Como psicóloga chamaria todas essas coisas superficiais de demandas… A queixa, no entanto, é um pouco mais profunda.

No meio desse ano tive que comprar uma fruteira para um casal de amigos que se casou agora em dezembro. Aquilo fez eu me sentir tão bem, tão… Adulta.

Mais recentemente me peguei pensando que ninguém gasta um dinheiro decorando um lugar sem a intenção de usufruir dele o máximo possível. Reformar meu quarto (e comprar um novo guarda-roupas) passa para mim a ideia de que permanecerei nele por muito tempo, sem planos para sair. É uma mudança que vai me levar a um estado permanente de não mudança, se é que isso faz algum sentido.

Bem, não tenho problemas com estar na casa dos meus pais… Só que estou notando que meu coração tem ido para outra direção. Não é só sobre um guarda-roupa, afinal… Quero uma mudança que me faça sair do lugar. Quero um lugar que seja meu mesmo. Quero me alegrar com as minhas escolhas boas e reclamar das que não deram muito certo, mas quero fazê-las.

Não quero um guarda-roupas novo, dentro de um lugar onde todo o resto é velho. Quero uma vida nova, onde eu construa coisas minhas, onde eu sinta que sou realmente adulta.

Esse desejo ansioso me faz querer mil coisas de uma vez, mas tento lembrar que uma caminhada se constroi com pequenos passos. Talvez eu comece esse movimento todo comprando uma fruteira.

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Brenda Vanin

26 anos, baiana, cristã e psicóloga. Alguém que gosta de escrever sobre a vida.